Texto da semana de Adriana Lage
Adriana Lage
Sempre escrevo sobre as diversas reações que as pessoas costumam ter quando se deparam com um cadeirante. Normalmente, oscilamos entre os papéis de coitadinhos e de super heróis.
Adriana Lage

Nos últimos dias, ri demais com algumas situações. Vamos a elas.
- “Deus tira os dentes, mas abre a goela”
Na rua da minha casa, mora uma senhorinha de uns 80 anos. Todas as vezes que me via passar do outro lado da rua, me dava um sorriso de piedade. No último sábado, encontrei com ela próximo ao supermercado. Ela achou interessante minha cadeira motorizada e se assustou ao me ver na avenida entre os carros. Quando subi para a parte mais acessível da calçada, ela se dirigiu a minha mãe e perguntou sobre mim. Quando viu que eu mesma respondi à pergunta e que não mordia, ela soltou a pérola: “ela tem uma carinha tão boa! É tão sorridente mesmo na cadeira de rodas”. Assim que respondi, toda sorridente, um “temos que ser, né”, ela me disse uma bela frase que me fez rir muito: “Deus tira os dentes, mas abre a goela”! Essa expressão é engraçada, mas verdadeira. Mesmo com algumas limitações e dificuldades, sempre encontramos alternativas. Basta querermos!
- Natação
Faço aulas após uma turma de crianças. É claro que o primeiro contato com a cadeirante costuma ser regado a curiosidades. Perguntas e mais perguntas. Explico sem problemas. Só fico boba (e indignada) com a reação de alguns pais que saem puxando seus filhos, xingando-os e dizendo para me deixar em paz. Sempre que possível, puxo, educadamente, a orelha desses adultos. Meu professor dá aula para uma menininha super falante. Num dia desses, ela quis matar sua curiosidade e me assistir nadando. Enquanto me preparava para entrar na piscina, ela me perguntou como eu conseguia nadar. Abri um sorriso e disse: “Xi, nem eu sei te explicar! É uma coisa mágica. Muito doida”! Como a fábrica de por quês infantis não pára, ela me perguntou se eu iria pular na piscina com cadeira e tudo. Expliquei que fazendo isso estragaria a cadeira e, provavelmente, me afogaria. Brinquei se ela iria me salvar e recebi como resposta um monte de risos e a frase: “não! Você é muito grande”. Quando nosso professor me carregou, ela ficou ainda mais fã dele. Foi alçado ao cargo de super herói por ser tão forte. Ela ficou me assistindo por um tempo. A cabecinha fervilhou. Acho legal e importante essa interação, pois ajuda a formarmos adultos menos preconceituosos.
- Eu, mamãe!
Na segunda, fui fazer um ultrassom para finalizar meu check up momesco. Como precisei tomar muita água e desregulei todos os meus horários de xixi, não fui trabalhar. Resultado: fui passear com meu sobrinho super delícia. Estávamos em uma loja no shopping, quando me deparei com a seguinte cena: o Rafinha deitado no meu colo (é claro que usando a cadeira de rodas como apoio para a cabeça e os pés dele), enquanto eu o balançava lentamente tentado fazer com que a figura tirasse um cochilo. A mãe dele estava longe, pagando contas no caixa. Ao meu lado, estava minha mãe, tentando mudar a posição do carrinho do bebê.
Bolsas no chão, sapatinho caído... quando percebi, duas mulheres pararam ao meu lado, com um olhar de compaixão que doeu a alma e disseram “é difícil demais, né?”. Pela cara das duas, imaginaram que a mãe do bebê era eu. Provavelmente, uma doida que colocou filho no mundo para a avó criar. Realmente, no meu caso, precisaria de muita ajuda para criar/cuidar de um filho, sobretudo nessa fase inicial. Aqui vale ressaltar a importância de nós, mulheres com ou sem deficiência, nos cuidarmos, de exigirmos o uso de camisinha, de visitarmos regularmente o ginecologista. Como bem lembrou minha médica, os namorados passam e as doenças ficam. Quem ama de verdade se cuida e cuida do parceiro.
- Sacolão
Logo que entrei no sacolão com minha cadeira motorizada, me senti um ET. Uma criança de uns 08 anos arregalou os olhos quando me viu e correu para cochicar com sua mãe. A mulher sussurou algumas palavras para o filho e falou para não me fazer perguntas. Nesse caso, nem um sorriso permitiu uma interação. Cada uma...
Fonte: saci.org.br